Marcadores

Localize-se

quinta-feira, 18 de março de 2010

Trinta Minutos

E vem o doce badalar da meia-noite. Não importa que horas sejam, será sempre meia-noite para o relógio antigo, ecoando no vazio do quarto. O ponteiro indo de um lado para o outro, por inércia, é o único retrato naquela penumbra. Uma pequena faixa entre a vela e ela. Parafina gasta, lutando contra o tempo enquanto aquele pavio, já cansado, persiste em se manter aceso com a força da ventania lá fora e os pequenos respingos de chuva a molhar o assoalho de madeira. O silencio predomina, são só murmúrios as lamentações dos lábios dela, e ainda que gritasse, as vozes em sua cabeça seriam mil vezes mais enlouquecedoras. Caminhos que poderiam ter sido feitos, vontades que poderiam ter sido preferidas... nada mais faz sentido. O passado é um templo e, de joelhos, ela já não quer mais rezar. Trinta minutos, esse é o tempo e não haverá nada além, apenas brasa e fumaça. Unhas a rasgar a madeira vermelha, olhos a perfurarem a noite em laminas cortante.
O que eles dirão quando o quarto estiver em chamas?
Água para abafar o silencio, costuras para pregar a boca calada, não há escapatória!
Pilhas novas para o que já é velho, dezoito minutos é tudo o que resta. Tudo será consumido pelo terror que as retinas podem criar. O ranger dos dentes é só mais uma música para um filme de terror. Relâmpagos, trovões, deixem a tempestade apagar o fogo, amenizem a dor, anestesiem o que quer se libertar. Um anjo a costurar as próprias asas, remendando o coração com pregos enferrujados.
Tic, tac, tic, tac, tic, tac, quase uma bomba relógio. Segundo a segundo, pontinhos desenhados em traços sangrentos, nove minutos é o que resta. As torneiras abertas, os vazamentos proibidos, a água já sobe pelas paredes. Manchas do que contarão historias, diários escritos no teto, um mundo submerso.
Um, um, um! Que os vidros sejam resistentes o suficiente para agüentar a pressão, que as paredes mantenham-se intactas para a cena final! Não há ar, inflamem os pulmões, é só mais uma tempestade a ressoar. Aquela vela e ela, a maldita vela e ela. Os olhos avermelhados, brasas que gritam por socorro. As unhas quebradas, traços do assoalho nos dedos. Essa é a condição, esse é o momento final.
Zero, zero, zero! O limite fora submetido aquele desafio e lá ela permanece. Uma volta inteira no relógio, um caminho árduo sem restantes, uma soma sem fatores, nada vezes nada igual ao vazio. Não, não, não! Lá vem, está chegando, mais uma vez, alguém pare o mundo! O tempo enlouquece, desaparece, engole, toma, ela, eu, o infinito, não há nada aqui, a vela e eu.
E vem o doce badalar da meia-noite. Não importa que horas sejam, será sempre meia-noite para o relógio antigo, ecoando no vazio do quarto. O ponteiro indo de um lado para o outro, por inércia, é o único retrato naquela penumbra. Uma pequena faixa entre a vela e ela. Parafina gasta, lutando contra o tempo enquanto aquele pavio, já cansado, persiste em se manter aceso.

Nenhum comentário: