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domingo, 20 de março de 2011

Pecado


- Dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e...

Lilian sabia que contar os passos era compulsivo, mas não lutava contra a maneira que tinha de passar o tempo enquanto caminhava. Sentia-se, de certa forma, mais segura. Acreditava que estar acompanhada dos próprios passos era melhor do que estar acompanhada de medo, afinal, noites como aquela trazia segredos que moças como ela não ousavam pensar.

Apressar o passo é algo automático quando você começa a ouvir um par de passos logo atrás dos seus. Quem era? Ela não tinha como saber, apenas corria desajeitada pelas ruas escuras e cheia de poças d’água. Se pudesse ao menos ver a sombra que a seguia! Mas era impossível, a noite seguia fria e sombria. O que fora fazer saindo tão tarde do trabalho, ah como queria o conforto da casa. Ou talvez... Não, moças puras não pensam nisso!

Continuou com seus passos apressados até que em um buraco qualquer o salto decidiu quebrar. Onde estava o par de tênis quando precisava? Não tivera como continuar, ele já estava ali. Os braços estendidos em sua direção, o rosto encoberto pelo breu. Lutou, ninguém poderia negar. Lutou com as poucas forças que tinha, não sabia ao certo se deveria, talvez quisesse aquilo, a sensação de perigo, aventura. Mas as conseqüências não pareciam tão boas. Em poucos minutos já estava sendo carregada pela rua estreita. Um carro no final dela, preto, discreto. Desistira de qualquer escândalo, pelo menos por enquanto.

O corpo encontrou o estofado confortável, o calor pelo aquecedor tornavam as coisas um pouco mais fáceis. Karl adorava ser o mistério da noite, e sabia como todas as suas vitimas agradeciam depois de serem pegas. Com ela não seria diferente. Moça nova, pele morena, lábios finos e olhos verdes. Era linda, sem duvida alguma, todas elas eram.

Ela sentira uma certa repulsa quando o corpo dele deitou-se sobre o seu. O coração estava disparado e isso parecia excitá-lo ainda mais. Suas mãos tocaram sua face com cuidado, nem parecia o homem forte que a pegara no braços a força.

- Eu não vou te machucar.

Ele disse em voz baixa, rouca, próximo ao ouvido dela. Um arrepio fora sentido, sem intenção.

- Só farei com que se lembre dessa noite para sempre.

Ele continuou a sussurrar. Suas mãos desceram do rosto para os seios, trazendo consigo os botões abertos da camisa dela, que continuava imóvel, sem saber o que fazer.

Poucos minutos para que toda sua roupa estivesse jogada no assoalho do carro, misturada às dele. Não fora capaz de resistir, seus lábios encontraram os vermelhos dele num beijo alucinado. Ele tinha esse poder, envolver nos braços mulheres que não conseguiam recusar seu convite. Era disso que sobrevivia.

Os vidros do carro se embaçaram. Do lado de fora, apenas o vendaval da madrugada, junto ao silencio do local deserto. Do lado de dentro, o calor dos corpos se embalavam em um ritmo frenético, gemidos e murmúrios, pedidos e sorrisos.

- Mais...

Cada pequeno desejo era atendido, cada pequeno pedaço de luxuria. Eram dois pecadores sem medo da punição, eram dois corpos entregando-se aos prazeres carnais.

O sol já iria anunciar sua presença no horizonte. Ele não sobreviveria se ficasse para contemplar o astro rei e sua magnificência. Vestiu a ambos, a contragosto dela. Alguns passos mais e já estavam no lugar onde ela percebeu que estava sendo seguida para a noite mais incrível de sua vida. Ele segurou sua cintura e lhe beijou o pescoço, lambendo o resquício de sangue que ainda escorria pelos dois furos que fizera. Sorriu e a encarou nos olhos.

- Essa noite estará para sempre em seu inconsciente, minha criança...

Selou os lábios e sumiu, como um raio que não pode ser visto. Ela piscou os olhos, duas, três vezes, até que conseguiu raciocinar onde estava. Por que tinha parado? Tinha tantos relatórios a terminar, não podia perder tempo. Olhou ao redor, já estava perto de casa.

- ... três, vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis.

Lilian sabia que contar os passos era compulsivo, mas não lutava contra a maneira que tinha de passar o tempo enquanto caminhava. Sentia-se, de certa forma, mais segura, ainda que aquela sensação estranha estivesse presente em seu corpo. Sabia que logo passaria, mas não tinha certeza se queria que passasse. Seu corpo estava entorpecido por algum tipo de prazer que ela nunca tivera experimentado antes. Talvez fosse esse um dos mistérios que noites como aquela trazia a moças que, como ela, não ousavam pensar.