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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Bailarina e Maltrapilho


O som do violino vinha de longe, trazido por um par de pés despreocupados com o tempo. Uma melodia doce ao mesmo tempo em que aguda demais. Aquelas notas, tão únicas em sua excêntrica composição, ansiavam pela companhia da dançarina, que há pouco tirara os pés do chão. Vinha com maestria, trilhando um caminho sábio por entre as rosas de espinhos apontados em sua direção, perfurando a carne que, de tão cortada pela travessia improvisada, já nem mais sangrava a podridão dos condenados.


Cheiro de terra molhada, ótimo sinal para aquele que procura os servos de suas infinitas questões. O céu perdera a batalha e se deixara enegrecer como em todas as outras noites findadas de dor e contradição. As poucas gotas que sobraram, da antiga chuva devastadora, firmavam-se nas folhas destroçadas pela ventania da manhã. Uma a uma, iam caindo na calçada de pedra, escorregando como crianças até o leito merecido, onde ela, ali repousava.


Caixão de vidro para a bailarina promissora, a mãe queria que todos vissem seu pequeno pedaço de porcelana. Mal sabia que o corpo jazido ali, coberto por fitas de seda e cetim, era contemplado apenas por vermes, que lutavam entre si pelas melhores e mais saborosas partes do banquete. Mãos presas sobre o abdômen, um sorriso desenhado pelo funesto homem dos detalhes. A bailarina não sorria, jamais fora ousada o suficiente. Seus dentes brancos, cultivados a firmes ensinamentos, não tinham liberdade para entrar no palco. Bailarina apenas fingia, imitava, imaginava.


O violino cessou. Como num corte profundo ao vento uivante, findou suas cordas de aço renomado, e pousou no tumulo recém criado. O maltrapilho que tocava, abriu a gaiola de sua companheira, deu-lhe um beijo adocicado nos lábios e ordenou que levantasse. Bailarina assim fez, com um sopro que extinguira para sempre todo resquício de vida em seus pulmões inexistentes e, antes que pudesse abrir os olhos, Maltrapilho segurou suas pálpebras com dois dedos. Sua voz suave e grossa ronronou aos ouvidos delicados dela, cantando uma nova conquista.


- Não abra os olhos, Bailarina. Apenas dance, gire com seus braços para o alto, gaste suas novas sapatilhas.

Acompanhe-me, Bailarina, que para onde vou, o palco será apenas teu, e enquanto teus olhos mantiverem-se fechados, serás a protagonista do show que preparei para ti. Milhões irão glorificar-te. Aplaudirão teu espetáculo a cada dia, e uma chuva de rosas dançará aos teus pés toda vez em que eles repousarem.


Sem encontrar resistências, Maltrapilho apanhou seu violino e soltou a primeira nota de uma nova melodia. Bailarina levantou e começou a dançar. Por onde seus pés iam passando, pequenas flores iam crescendo, deixando uma marca de encanto para trás. A música corria todos corredores, incendiando vivos e mortos, presentes e perdidos. Aquele foi o momento em que Bailarina deu seu primeiro sorriso.


Um rodopio aqui, um salto ali, e o caminho ia se revelando, até que, num descuido desajeitado, uma fita prendeu-se no prego enferrujado. Bailarina não percebia, estava contente demais para ligar para qualquer uma de suas fitas, e mais a frente, Maltrapilho apenas sorria. A dança continuou, seguindo o ritmo enlouquecido do violino, e a cada centímetro que ia sendo conquistado, um pedaço da roupa rosa ia sendo deixado de lado. No final daquela jornada, restou apenas uma fita. Um laço tecido de amor, enrolado nos cabelos castanhos da jovem, que parou ao perceber-se nua.


- Não posso continuar assim, meu publico me espera! Dê-me roupas, Maltrapilho, e continuaremos a valsa que me prometestes ser eterna.


O sorriso do rapaz mal vestido, entortou-se e tornou-se aliviado. Sua musica abriu os portões do novo palco, e o banquete do dia estava confirmado.


- Não te preocupes, minha bailarina, para onde seguimos, tuas roupas não farão falta.


E assim seguiu, adentrando o caminho do inferno. Bailarina, ao seu lado, ia queimando aos poucos a única veste que lhe tinha sobrado, até que somente seus ossos estivessem bailando naquele túnel perdido. Mal sabia que a canção duraria para sempre, e por mais cansado que seus pés estivessem, estariam fadados a gastar-se até o final dos tempos.


No dia seguinte, Aurora viera jogar a terra sobre o vidro que deixara exposto para o enterro da filha. Encontrou sua porcelana sorrindo, assim como deixara, mas as sapatilhas, outrora novas, estavam gastas. Não importava, ela estaria sendo levada para um lugar melhor, ou assim acreditava.



quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mãe, o sol morreu!


Passos silenciosos se destacavam naquele lugar, onde até o silencio era música. Uma música sem melodia, mas que embalava os mortos para sua eternidade. A luz da lua era a única fonte de iluminação nas pedras de mármore, e as corujas anunciavam que um dos seus voltava para casa. As pegadas acabaram no túmulo mais simples, onde apenas uma rosa vermelha morria com o vento cortante. Os dedos esbranquiçados de Sophia tocavam a lápide levemente enquanto em seus olhos desenhavam-se toda aquela batalha em fogo, queimando o azul num vermelho vibrante, insandecido. Toda dor que todos aqueles anos acumularam em seu peito, escorriam como navalha por seu rosto, rasgando a pele com tanta fúria, que nem dor mais ela sentia. Os cabelos negros esvoaçavam com a ventania ao redor, vingança ela prometera um dia, e horror ela traria. Seus pés afundavam na terra remexida, e o cemitério inteiro abria as portas para o que ela deixara morrer. Sua alma agora era parte daquele túmulo, e descansaria em paz, mas seu corpo ressurgia do submundo. O caos era seu controle, o inferno obedeceria às suas mãos. Assim como eles a fizeram temer o sol, ela os faria temer a noite.

- Da mesma maneira que te lembras do dia em que me tiraram a vida, lembra-te da noite em que os levarei à morte.


Vicente caminhava serpenteando as pessoas na cidade, sua mão pequena apertando a da mãe, até que sua visão encontrou o sol se pondo no horizonte. Assustado, ele puxou a figura protetora e apontou para frente.

- Mãe, o sol morreu!

E do alto da torre, ela lhe soprou o que viria.

- Tema, meu querido, tema. Pois esta é a hora em que os meus retornam das cinzas.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A confusão de um coração


Meu coração está confuso, como se estivesse maluco, sem saber oque fazer.
Tenho que escolher entre dois amores, mas sem deixar rancores, não consigo escolher entre duas amizades verdadeiras. Não consigo mais dar abraços sem pensar em amassos.
Vou à natureza de meus pensamentos, paro, olho e sorvo. Olhando para trás vejo as duas pessoas que amo, e embora esteja confuso, parece que a cada hora se passa em 1 minuto me deixando sem escolha. Morro por dentro enqunto o tempo passa, me perco em pensamentos, visões e lembranças. Acho que é melhor não ficar com ninguém e me fechar em meu mundo sombrio, com minhas lembranças felizes para fugir do presente, dessa escolha, da vida.

Renan Jato Braga

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Prisão de Ossos

Acordar. É essa a primeira vontade de quem é forçado a dormir. Abrir os olhos e encontrar a luz que esclarecerá todos os seus problemas, que o puxará de volta à uma realidade monstruosa, mas muito mais salvadora do que o vazio silencioso do sono. Não sou diferente de qualquer pessoa e, como tal, eu só queria acordar.


Talvez meus desejos estivessem mais bem guardados dentro de mim mesmo, abrir os olhos naquele dia, não foi a melhor coisa que fiz. Quando meus olhos se abriram, eu pensei continuar dormindo, desbravando aquele pesadelo eterno. Não me lembro muito da primeira imagem que se formou atrás da minha retina, minha cabeça doía tanto, que até o ruído dos ratos ao redor parecia um tambor. Quem sabe aquela dor fosse proveniente de algum machucado, justificativa lógica para a quantidade de sangue que escorria pelo rosto. Minhas mãos pareciam sumir com todos aqueles cortes e minhas roupas, oh Deus, eu estava coberto apenas por farrapos imundos. Cambaleei para o lado, numa inútil procura de levantar, mas meu corpo foi segurado por barras de ferro. O quê elas faziam ali? Até hoje eu procuro entender. Era tudo tão escuro, tão... sombrio. Até ela chegar.


Os saltos de suas botas pareciam querer esmurrar o chão, mas ela vinha graciosa. Calça escura, espartilho escuro, camisa branca. Cabelos negros, cacheados, na altura da cintura. Eu conhecia aquela silhueta de algum lugar, só não sabia que seria ela. Quando Camille virou, meu coração bateu mais rápido. Como um choque, meu corpo caiu para trás, de encontro à grade. Uma gaiola pequena, mas o suficiente para me manter prisioneiro de alguma insanidade. Só então pude perceber velas, várias delas, de todos os tamanhos, cores e aromas, espalhados pelo lugar. Um porão? Acho muito provável. O chão era imundo, tão imundo quanto minhas unhas que há pouco tentaram escavar para fugir. Ratos, baratas e insetos eram a companhia mais ilustre daquele local, que tinha ao fundo, uma cela escura. Que mal ela guardava ali? Acho que não queria descobrir.


Ela se aproximou, a feição de menina que sempre manteve em seu rosto já não ajudavam mais a entender seu semblante. O que ela fazia ali? O que eu fazia ali? Perguntas sem respostas, era tudo o que me dignava a ter. Sua mão fina atravessou a grade e tocou meu rosto com doçura, um carinho breve, um carinho que eu senti falta. Mas logo aquela carícia se transformou em raiva. Seus olhos chamuscaram de uma maneira sem igual e dos seus olhos escorreram lágrimas negras. Numa ânsia terrível de sair dali, confortá-la, confortar-me, joguei-me para frente, mas o cansaço me impedia de movimentos mais bruscos.


- Diz-me, o que faço aqui?


Só ao tentar falar percebi que minha garganta estava cortada, com um pano enrolado, ensangüentado, para que eu não gritasse. Eu daria tudo para ter um tom maior de voz naquele momento. Como era de se esperar, não tive resposta. Apenas um riso baixo, sôfrego, ecoando pelas paredes de pedra.


- Por favor, Camille, diz-me, o que faço aqui...?!


Pela minha insistência, ela virou-se, olhando-me com a mesma ternura de quem aprecia um amor. Levou o dedo aos lábios pintados em um batom vermelho, pedindo silencio. Era tão estranho vê-la daquela forma, tão pacata, tão acostumada a aquele horror. Com os mesmos gestos ternos e singelos, ela retirou um punhal do bolso. Havia sangue nele, havia o meu nome nele. Com toda delicadeza do mundo, ela levou a faca até os lábios, lambendo a lamina como se fosse algum tipo de doce. Esquivei-me, a tensão tomando conta de todos os meus músculos. Ao respirar, mais profunda e desesperadamente, engasguei com o cheiro fétido do lugar. Como ela conseguia? Suas narinas já pareciam acostumadas com a podridão do lugar. Ela já se tornara parte daquele lugar.


- Lembra-te do dia em que pedi, implorei para que não fugisse da minha vida, Andy? Era um dia de sol, uma tarde de domingo. Como naqueles contos em que os pais contam para as crianças. Havia borboletas voando entre nós, crianças correndo, cachorros, verde. Até hoje eu vou, todos os domingos, naquele parque. A árvore ainda tem os nossos nomes. Guardas o canivete que te dei? Disse que um dia seria útil, onde o deixaste? Já não importa mais. A única coisa que importa, é que me prometestes jamais fugir. Teus olhos brilharam contra a luz dos meus e teus lábios proferiram uma promessa que semanas depois tu abandonaste. Voou para longe, sem nem ao menos deixar uma explicação. Uma palavra. Sabe por quantos dias te esperei? Por quantas noites encharquei travesseiros em lágrimas saudosas? Deverias saber que eu não agüentaria, talvez, se houvesse uma despedida. Mas não, tu apenas foste sem destino certo. Acontece que, castigos servem para pessoas malvadas como você.


As palavras dela vinham carregadas em dor. Seus olhos brilhavam de forma maníaca. Não era, nem de longe, a doce garota que um dia me perguntara as horas. O que havia acontecido com ela? Não parecia perigosa, só parecia... carente. Eu estava perdido, completamente. Aquelas falas, eram verdades, atos impensados, mas era passado. Qualquer um poderia ter superado. Por que me torturava com aquilo?


- A saudade é algo que dói muito mais do que você pode imaginar, meu querido. É uma dor tão aguda, que chega a rasgar o peito em noites frias. Mas, com os anos, você aprende a se tornar imune a ela. Existem tantas cicatrizes, que seu corpo parece apenas um retalho do que fora algum dia. É isso o que me tornei, apenas um espantalho do que um dia fui. Não me culpo por isso, ao contrário, agradeço aos responsáveis.

O que ela queria com tudo aquilo? Qual era o real propósito? Falava de maneira tão aleatória, que eu não tinha certeza se era uma vingança contra mim, ou apenas uma forma que ela tinha de crucificar o que o tempo havia transformado, como ela dissera, em farrapos.


- Quais? Quais os responsáveis?


- Todos, querido, todos. Você sabe como se deve contar a uma menina de 4 anos que sua mãe morreu? Devem-se usar palavras doces, acarinhá-la e então, quando ela chorar, abrigá-la nos braços e mentir que está tudo bem. Mas não, eles apenas gritaram que era para eu parar de chorar se não quisesse apanhar. Disseram que minha mãe morrera de desgosto por ter uma filha como eu. Você sabe o que é ver seu pai virar um alcoólatra que chegava todas as noites fedendo a bebida e vendo que seu corpo tinha mudado, sentir tesão por você? Você sabe como é nojento tê-lo se esfregando em seu corpo inocente, tampando sua boca com força para que não pedisse por ajuda enquanto ele tirava sua pureza de menina? Sabe o que é ver todos os seus amigos irem embora quando seu dinheiro tinha virado água? Como é desconfortável as camas em um orfanato e como é triste ver todos arranjarem uma família quando você já não tem nada? Ou o quanto é sofrido ser lançada ao mundo apenas com a roupa do corpo, cultivando apenas um único laço de amor? Ter de vencer sozinha, depois das surras que o mundo lhe deu? Não? Pois eu vou te contar, não são as melhores sensações do mundo e não é nada agradável ser abandonada. Ver todos a quem você ama fugirem como ratos, perder tudo o que tinha apenas por não querer ser estuprada todas as noites. Agora, vamos, faça o que tem vontade. Julgue-me insana por eu querer prender ao meu redor todas as pessoas, para que elas não possam mais ir embora. Mostre-me que meus atos são distorcidos, porque é isso o que eu quero. É isso do que eu preciso. De alguém que segure a minha mão e me mostre que os horrores do mundo só estão nessa minha cabeça sórdida, e que há algo melhor além desta fortaleza de pedra. Eu só preciso de um abraço, quando todos ao meu redor parecem perder os braços e desviarem. Eu só quero uma palavra de consolo, mas as bocas parecem mofadas em suas próprias monstruosidades para dizer qualquer coisa bonita. Eu só peço que alguém me salve, mais nada.


Eu não tinha como lutar. Não sabia que ela cultivava um passado tão triste, e por mais que eu quisesse, eu não poderia ajudá-la, eu não poderia salvá-la de si mesma. Então apenas me encolhi, e ela logo entendeu o recado. Despejou meu corpo naquela cela escura, junto a outros cadáveres e sumiu.

Sei que não vou durar muito nessa clausura, e logo serei apenas mais um corpo nesse monte, mas também sei que nenhuma dor que eu traga comigo, vai ser maior do que a dor que ela aceitou carregar pelo resto da vida.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Receita contra dor de amor


Sinta-se como se estivesse morrendo, com uma faca em seu peito. Pense como se tivesse sido quebrado em mil pedacinhos, pensando em seu perdido amor.
Chore lagrimas, chore sangue com seu coração quebrado por dias, meses, anos, e nunca irá sarar, a dor de perder quem ama é a mesma coisa que morrer, sua vida não faz mais sentido, "por que viver, qual o proposito?".
Abra seu coração, faça uma pessoa com sorte de ter você, acredite no amor, reviva com o poder de curar corações partidos.
Abra seu coração para viver novamente, tendo alguem para proteger para viver junto a você.



Essa prosa poética é da autoria de Renan Jato Braga, que conseguiu me encantar com linhas maravilhosas, com apenas 13 anos. Parabéns, piá, tu merece um cantinho aqui xD

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mil noites



É mais um dia de festa na corte. Um novo casal para ser torturado, uma nova fogueira esperando pela carne fresca. Não entendo como todos podem celebrar estes infortúnios, é tão... cruel. Dizem que ele é um vampiro, teremos a prova hoje. Que a seduziu com seus poderes, e que a carrega para esse mar de tempestades. Ela? Houve rumores de que era uma bruxa, capaz de controlar os elementos, capaz de ter o demônio incorporado em seu rosto angelical. Não posso saber a veracidade dos fatos, sou apenas um criado que se esquiva de pernas curiosas, e se esconde entre essas pilastras de cristal.
Já é o segundo dia que ela está ali. Os braços erguidos para que os pulsos possam ser segurados pelas algemas, pendurada pelo teto. Os pés, mal encostam o chão. Estão descalços, frios, tão frios que se tornam quase azuis. O inverno castiga nossos dias, tão forte que chega a congelar os dedos, já castigados, da pobre moça presa. Seus olhos, fechados, escondem as olheiras de intensas horas de tortura. Parece um anjo, um anjo pagando pelos pecados do mundo. A pele, tão clara, quase se confunde com o holofote direto em seu rosto doce. No corpo, esticado pelas correntes, peças em vermelho púrpura. Realeza. Pano gasto, sujo, rasgado na altura dos joelhos, preso à cintura por um cinto de pregos. A blusa perdeu uma das alças, e agora, frouxa, dança no corpo com o vento que passa entre o corpo cansado, encharcado de sangue e angustia.
- Tragam o vampiro!
Ordens. De quem? O rei está longe, distante o suficiente para não ouvir os gritos chorosos da filha, tão forte, que fora capaz de agüentar tantas atrocidades em apenas dois dias. Ele vem. A calça colada ao corpo, onde o rubro se confunde em tecido e sangue. A camisa, rasgada e suja, como a dela. Os olhos negros, tão negros como o carvão. Parecem famintos, olham ao redor e são capazes de devorar qualquer um que retribua o olhar. Parece feroz, um animal! Ele se debate, mas parece tão sem forças. Uma cruz grudada no peito, cravada na carne, cruz de prata, retirando suas resistências, levando-o ao fim. Os grilhões riscam o chão, fazendo com que o ruído seja um modo de abafar os gritos da dor a qual ele é apresentado. Dias sem comer. Ele continua a brigar, lutando pelo resto de vida que ainda tem, até que seus olhos encontram os dela.
Você pode ver sem precisar de lentes especiais. Os olhos deles se acalmam, em um verde claro. Os dela se abrem, mostrando o cinza quase branco que os clareiam. Um sorriso em cada lábio, uma lágrima em cada face. Ela reúne forças de todo corpo para se mexer. A vontade de tocá-lo, de dizer o quanto o ama. Ele vai ao chão com um golpe de estaca. Ainda dolorido, ergue a cabeça para lançar um beijo à sua amada. A retribuição vem com um sorriso tímido, além dos lábios cortados.
- Carrasco? Chicote.
O som do couro estalando no ar parece interromper aquele momento tão único dos dois. O segundo estalo vem quente nas costas frias dele. A carne se recupera com dificuldade, mas ele permanece firme. Novamente o couro dança, encontrando as costas do rapaz com crueldade. Ela grita, esperneia, sabe o quanto aquilo dói, sentiu na pele poucas horas antes. Ele parece pedir para que tenha calma, aguentará firme, como deve ser. Ela não pode aceitar, o ama, mais do que a vida, mais do que o ar que já é raridade em seus pulmões pressionados pelo frio. Os olhos dela ficam ainda mais claros, olhando para o teto. Sabe que daqui a pouco virá o dia, e ele não vai resistir. Seus lábios se mexem, como em uma oração. Palavras rápidas, sem sentido, é mesmo uma bruxa? O que é aquilo em suas costas? A carne está rasgando, sangue escorrendo por todo corpo, ele sente o cheiro, doce aroma que adora sentir. Está louco pelo sangue dela, está louco por ela! Asas! Estão nascendo asas nas costas da garota. Novamente gritos, ela grita tão alto quanto os urros que ele solta pela dor do corpo machucado. Asas tão lindas ela tem. Um anjo? Não! São asas negras como os olhos de corvo que ele tivera segundos antes. Penas reluzentes e majestosas. São tão grandes que podem cobri-la por inteiro. Ela se entrega. O corpo fica completamente pendurado pelas correntes. Não tem mais forças, suas asas esgotaram o que mantinha dentro de si.
- Guardião?
Flechas. Homens com armaduras prateadas, espadas, estacas e arcos prontos para atirar. Os chicotes se cessam, ele é jogado em um canto qualquer.
- Abra os olhos, meu amor, abra os olhos.
A voz dele sussurra como um sopro na direção da sua menina. Uma brisa tão poderosa que a faz obedecer. O rosto está manchado, gotas de sangue escorrem de olhos tão claros. Ele chora, suas lágrimas são como a chuva que bate em pedras de gelo no teto. A primeira flecha. O primeiro grito de dor que ela deixa escapar. Ele se agita, mais três flechas acertam suas asas, e uma outra perfura seu abdômen. Parem, parem, parem! E ninguém para. Parecem se divertir com aquela tortura. Dois homens vão até a garota, beijam seu rosto cansado para provocá-lo, enquanto arrancam suas penas com as espadas. Ela já não agüenta nem mais gritar de dor. Desmaia.
Ele se desespera. Reúne as forças de mil soldados e levanta. O corpo empurra os homens que vem em sua frente, e ele segue, cambaleando até o corpo dela.
- Reaja, reaja!
Sussurra da mesma maneira que antes, na esperança de que ela ouça. Ele tem poucos minutos, o sol já está vindo e sabe o que vão fazer. Ele precisa dela, ele precisa, ao menos, ver a luz dos seus olhos antes de morrer. Viveu tantos séculos naquela espera, que não pode deixar que escape por entre os dedos como água.
- Eu não... consigo.
Foram as únicas palavras que ela disse, de forma murmurada. Os homens se afastaram, deixaram os dois ali. Ele sentado, apoiando a cabeça nas pernas dela, e ela pendurada, sem forças para lhe acariciar.
Estão todos rindo. Malditos! Não podem ver o horror que eles passam. Não entendem que o maior sofrimento do qual estão passando, é ver a pessoa que amam sendo machucada e estar ali, amarrado, acorrentado, sem poder salvar.
Poucos minutos se passam, minutos de conforto talvez, até que novamente a voz ordena um trágico fim.
- SOL!
Um grito de guerra emanado pelos soldados eufóricos. O dia amanhecera, eliminariam aquele maldito vampiro de uma vez. Ele permanece quieto, aproveitando cada milésimo de segundo em que pode desfrutar do corpo dela. Sabe que nunca mais a verá. Ela abre os olhos, inchados, com dificuldade.
- Eu te amo.
Seus lábios moldam as palavras sem som. Ele as repete igualmente, sorrindo. É carregado para o centro, o peito inflamando, os olhos despejando cascatas de lágrimas. Um ruído. O teto está se abrindo, pouco a pouco. A luz do sol está adentrando o lugar com raios pequenos, mas que procuram o corpo do vampiro. São tão finos, que parecem agulhas perfurando sua carne. Ele não vai gritar, sabia desde o começo e não quer assustá-la. Fecha os olhos e se lembra dos momentos em que passaram juntos. Brincadeiras, brigas, risadas. Não importa o que aconteça, ele lembrar-se-á dela.
- Eu te amo.
Ela repete em voz alta agora. Ele a olha e, desconcentrado, sente o facho de luz que vem direto em seu corpo. Como um reflexo, se joga pra trás. Aquilo era a pior de todas as dores que já havia experimentado. Procura a sombra, quer escapar, quer tentar por mais uma vez estar ao lado do seu amor. Ela o olha fugindo da morte e seus olhos se acendem como brasa. Vermelho, tão vermelho que mal posso descrever. Um grito mais alto e ela é capaz de arrebentar as correntes que prendiam seus pulsos. Vai ao chão mas cai em pé. Que diabos está acontecendo? Seus dedos parecem cortar as correntes como se fossem papel, e as flechas não mais atingem seu corpo que antes vagava exausto. Ele sorri. Sabe o que está acontecendo e, ainda que não goste, sabe que o demônio interior dela os dará uma chance.
- Pela luz divina e pelas sombras demoníacas, eu os condeno a mim!
Sua voz parece como a de um trovão e seu sopro leva todos os guardiões e soldados ao chão com um único golpe. Seus olhos percorrem todos no local, como um predador pronto para aniquilar, mas ela nada faz, apenas protege ele com o próprio corpo, enquanto faz o dia ir embora de maneira mágica.
Tudo escuro e um vento sombrio corta o rosto daqueles que riram. Mil noites, é assim que seguirá, porque ela assim determinou e ele assim quis. Miguel nunca mais ousará a torturar nenhum casal, ele encontrou aqueles que queria e descobriu-se fraco perante a imensidão daquele amor. Nessa noite, uma nephalin e um vampiro voltarão para casa, eternos, como deve ser.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Vingança


Ajoelha-te! Tua posição deve submeter-se à tua queda.

Olha-me! Veja os reflexos da minha vingança.

Ouça-me! Quero que teu corpo estremeça ao sentir o poder da minha voz.

Cala-te! Pois agora é a vez dos meus lábios denunciarem o pavor dos teus pesadelos.

Eu nunca pude sorrir a grandiosidade de uma vingança, e o sabor das sobremesas amargas do esquecimento fez apodrecer a vontade que me consumia de um horror aos olhos famintos que me olhavam no espelho, mas já que este é o meu sonho... Vamos aproveitar a fantasia.

Eu quero ouvir os teus gritos de pavor ao sentir a lamina cortar teu corpo. O mesmo fio de corte que me desenhava cicatrizes eternas noite passada, hoje cobre tua carne com o odor forte de sangue. As mesmas pedras de sal que me escorriam dos olhos, aplacando as feridas expostas que me deixavas de presente, hoje ardem em teus machucados, apodrecendo-os com o veneno que escorre em vermelho.

Que teu peito inflame com todo o ódio que descarrego de minha alma neste instante. Que teus olhos derramem toda a dor da qual me livro e que possas, em teu leito de morte, entender qual é o desespero de morrer. Que o sufoco que engata em tua garganta seja forte o suficiente para te mostrar o quanto o ar faz falta em momentos como esse. Como a necessidade de respirar se torna absurda e a futilidade deste ato complete o quadro de existência. Eu sei bem como é esta agonia que te suspende ao limite. Eu deixei de respirar por dias, inflando meus pulmões apenas com lágrimas doloridas. Eu sangrei por dias, indo além das expectativas dos teus planos malévolos. Eu morri, mais do que as sete vidas que descrevem como ápice dos felinos, auge da sorte.

A única coisa que me separa desta sua vivencia, é que eu venci. Eu sobrevivo dentre os cacos do cansaço, eu triunfei perante aos teus chicotes cortantes no ar. E tu te afogas nos meus delírios.


quinta-feira, 18 de março de 2010

Amor Psicopata


Frank acordou com o corpo todo dolorido, sentia dificuldade em abrir seus olhos, ou em balançar a cabeça. Sentiu seu corpo pesado e molhado, tentou se mexer, mas não conseguiu, estava amarrado, estava sentado. Sentia correr um liquido grosso de sua boca, sentia o cheiro forte de incensos, podia ver as velas acesas naquele lugar frio, escuro, sujo, molhado, sombrio.
Ficou desnorteado, não sabia como tinha ido parar ali, gritou por socorro, mas seus lábios doíam, aquele liquido tinha gosto de sangue, deveria ser, seus olhos estavam pesados, sentia dores por todo seu corpo, e apenas o eco vazio de sua voz fraca passava pela sala. Foi então, que ouviu passos, aliviou-se, estava a salvo, alguma alma abençoada o tiraria daquele terrível pesadelo.

Sorriu, por mais que seus lábios doessem, sorriu ao ver a figura se aproximar em passos lentos de seu corpo aprisionado em uma cadeira de madeira velha. O homem, vestia uma manta negra, uma capa, com um capuz que impedia Frank de ver seu rosto, não importava, ele estava a salvo.

- Por favor, me tire daqui!

Foi tudo o que a voz fraca de Frank o permitiu dizer, e depois, apenas se ouvia o som de uma gargalhada demoníaca, provinda do homem da capa preta. Frank então, se assustou, tudo estava perdido, aquilo não era um pesadelo como na noite passada, não, era real, e muito, pois ele conseguia sentir as dores.
O homem, pegou uma das velas, e dirigiu-se de volta a Frank, rodeando, como um predador que analisa com cuidado sua presa, arrancando suspiros de medo de Frank. Aquele cheiro, o perfume do homem, não lhe era estranho, suas curvas escondidas pela capa, o balançar de sua cintura ao caminhar, seus gestos, era confuso demais, ele conhecia de algum lugar tudo aquilo. O homem, então, retirou sua capa, de costas a Frank, que olhou pasmo. Era Gerard, seu namorado, seu amor. Impossível não reconhecê-lo naquelas roupas pretas, seu andar sensual, aos olhos de Frank, sua pele extremamente clara, seus cabelos escuros. Respirou fundo, não acreditava, o que ele queria, o que ele pretendia? Sua mente não parava quieta, tinha que arrumar uma forma de sair dali.

Gerard, não falava nada, apenas olhava Frank com um olhar demoníaco, percebia em seus olhos uma loucura pouco comum em um relacionamento amoroso. Seu sorriso, era psicopata, seus dentes travando-se em uma linha entre o medo e a paixão de Frank, que pedia por ajuda, e apenas recebia tapas que machucavam ainda mais seu rosto já fraco e esmurrado. Sentiu mais sangue lhe invadir a face, escorrendo por sua roupa, que já estava manchada, permanecendo intacto nas mãos gélidas de Gerard. Aquele não era o seu Gerard, era um demônio, ou qualquer outra coisa que possa ter se apossado do seu amor. Custava a acreditar que aquilo tudo era real, e só o fazia quando sentia as cordas lhe cortando o pulso.
Olhe em meus olhos, Frank.
- Gerard, o que está acontecendo? É alguma brincadeira?
- Brincadeira? E você acha que eu brincaria com algo que eu realmente sinto?
- Então me diga, por favor, o que está acontecendo?
- Olhe nos meus olhos, e diga que me ama. Preciso ouvir isso antes da morte.”
- Morte? Que morte?
- Apenas me diga, Frank.
- Sim, eu te amo, Gerard.
- Era tudo o que eu precisava ouvir.
- O que fará comigo agora?
- Você não imagina? – Gerard voltou a abrir seu sorriso doentio, e pegou uma faca de seu bolso esquerdo, passando pelas ataduras das mãos e pernas do menor, que estava amarrado à cadeira.
- Você vai me matar, meu amor?
- Acho que não sou capaz de ser tão cruel, ainda.
- E o que quer antes disso?
- Você sabe. – Gerard, passou a alisar o membro do menor, por cima da calça.

O maior pegou na mão do menor, ajudando-o a levantar-se, e o beijou perdidamente, seria o último beijo de seu amor. Passou a acariciar-lhe a cintura, com desejo, com cuidado, com prazer. Frank, com medo, com dor, passou a permitir tais ações e liberdades do maior sobre seu corpo, e enquanto Gerard se perdia em seu êxtase, Frank aproveitou a oportunidade e pegou a faca que havia no bolso de Gerard, e em um ato rápido fincou-a nas costas do maior, que começou a olhá-lo com dor, deixando que lágrimas de sangue escorressem por sua face. Seu corpo estava ficando sem vida, seu coração havia sido brutalmente assassinado, não de uma forma convencional, mas da pior maneira possível.
Correu o máximo que pôde, sem direção, com dores, sem destino, queria apenas fugir daquele lugar que o causava arrepios. Achou uma estrada, e correu por ela, estava frio, estava escuro, o dia ainda estava amanhecendo, e seus ferimentos não o deixaram ir muito longe. Seus olhos morriam em lágrimas, afinal, ele amava Gerard apesar de tudo, e agora, ele estava morto, morto por suas mãos, que estavam imundas pelo sangue do mesmo.
Encontrou um taxista que passava pelo local, pediu que ele o levasse sem fazer perguntas até sua casa, pagou e ao entrar novamente, fechou todas as trancas que haviam de segurança. Tomou um banho rápido, fez uma mala com coisas necessárias para alguns dias, pegou todo dinheiro que guardava em casa, entrou no carro e sumiu.
Após alguns dias, ligou de uma cidade esquecida por Deus, deixando a casa a venda, e as a responsabilidades de seu trabalho com seu amigo. Não era muito difícil encontrar um trabalho novo na cidade, ele era jovem, bem formado, conseguiu fácil.
O dinheiro estava acabando, quando recebeu a noticia da venda da casa. Sentiu-se aliviado, e tentou respirar novamente.
Os dias se passaram, 3 meses mais precisamente, e Frank se encontrava feliz em sua pacata vidinha. Chegou em casa, crente que continuaria assim por muito tempo. Preparou um almoço delicioso, esperava por sua nova namorada, e ouviu as batidas na porta. Correu para atender, estava ansioso, e quando abriu a porta, seu terror voltou a tona.
Ele, com suas roupas pretas, sua pele clara e seus cabelos escuros, renovado, e com um sorriso mais maníaco do que o anterior.

- Sentiu minha falta?
- O que você quer?

Gerard levantou a mesma faca que Frank, inocentemente havia usado para tentá-lo matar, e mirou na garganta do menor.

- Olhe nos meus olhos, e diga que me ama. Preciso ouvir isso antes da sua morte.