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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Jogo em Família - Parte 2


Depois destas palavras, atirou na caixa de energia e cortou a luz da casa. Do escuro, seguiram gritos e o arrastar de cadeiras. Passos pesados em sua direção, barulho da tranca da porta e das janelas, desespero.

- Não tentem abrir as portas ou as janelas, vocês são tão tolos que nem viram que elas foram seladas. Os fios de telefones cortados e o aparelho novo que instalei na cozinha, papai, bloqueia qualquer sinal de aparelho eletrônico. Não tentem fugir, meus amados, esta é a noite em que vocês serão abençoados pelo perdão, e poderão entrar no reino dos céus.

Ela tinha todos sob controle, todo o plano mapeado em sua cabeça, nada daria errado. Sabia que o primeiro que viria tentar pará-la era o pai, e por isso seguiu até o meio da escada que dava acesso ao segundo andar, mirou em sua perna, e atirou. Um grito rouco ecoou pela casa, e logo o corpo agonizante do homem ficou estendido no final da escadaria. Estavam todos ensandecidos, o escuro fazia com que batessem em todos os cantos e quebrassem tudo o que lhes fosse uma barreira. Ela era a única que enxergava, passara tanto tempo nas sombras de uma vida, que tinha se acostumado a viver na completa escuridão.

Voltou a subir os degraus um a um, vagarosamente, como se a preocupação não existisse naquela cena cheia de incompreensão e delírios. Sentiu um peso se abater sobre o corpo assim que terminou o primeiro lance da escada, mas ao invés de surpresa, seus olhos esboçaram apenas um sorriso simpático. Ligeiramente ela se virou entre os braços do irmão, tirou do avental duas seringas e fincou em seus olhos, injetando neles uma quantidade considerável de água sanitária, fazendo o rapaz debater-se de dor e, completamente cego, entregar-se ao desmaio já esperado.

Subiu o que restava às pressas, não tinha certeza de quem seria o próximo a tentar impedir-lhe, e precisava estar pronta para qualquer um que fosse. Encontrou uma silhueta robusta quando encostou as costas na parede. O homem iluminado pela luz da lua denunciava Vinicius, que vinha sem medo algum, apenas raiva espumando pela boca. Milena deixou que ele se aproximasse do seu corpo, agarrando-o como se fosse uma capa protetora, perfeito. Puxou o facão do cinto preso na cintura, embaixo do casaco, e enfiou de uma só vez na barriga dele. O homem, mesmo grande, não tinha forças para revidar, então apenas caminhava para trás, seguindo o caminhar da garota que enfiava cada vez um pouco mais da lamina, até que conseguiu derrubá-lo na cama do irmão, já preparada para aquela ocasião.

Ouviu novamente o barulho da porta e sussurros das duas mulheres que ainda estavam lá embaixo. Riu alto e voltou para a sala, passando um pequeno canivete no dedo, até arrancar uma única gota de sangue que logo desmanchou em sua língua. Passou por cima do pai e pegou um comprimido na gaveta do armário ao lado, que era tão pequeno, que desceu facilmente pela garganta de Ricardo, fazendo-o adormecer quase instantaneamente. Arrastou-o até um canto e continuou a olhar Simone e Fernanda, que se encolhiam para a janela. Balançou a cabeça negativamente e se aproximou mais um passo, levando um breve susto ao perceber que as duas tinham pegado facões na cozinha, e cada uma segurava, pelo menos, dois. Respirou fundo e olhou as unhas, virou de lado e levantou o casaco, mostrando o cinto equipado com facas, seringas e balas que carregava.

- É muito perigoso criança brincar com faca, nunca ensinaram isso a vocês?

- Cala a boca, guria, você não vê que nós somos duas e você só uma? – Gritou desesperada a madrasta, empunhando a faca com mais firmeza.

- Acontece que, nem que vocês queiram vão conseguir me pegar. Sabe por quê? Porque eu me tornei muito melhor à medida que vocês destruíam a minha vida.

Aproximou-se mais, dois passos mais, mas o suficiente para que a mulher lhe avançasse e cortasse a manga do casaco. Aquilo fora o ponto final da conversa, Milena apenas bateu em seus rins com as mãos, fazendo-a largar o perigo que segurava. Enquanto a mulher se encolhia, ela pegou uma das algemas penduradas na calça, aparentemente como um acessório, e lhe prendeu as mãos. Sentiu um puxão no cabelo assim que terminou, e logo uma dor dilacerante no ombro esquerdo. Mal teve tempo de rosnar baixo, olhou que Fernanda lhe puxava e fincava a faca em sua carne. Sua reação fora de ódio, mas não podia agir com emoção, tinha de ser racional, treinara todo aquele tempo para poder agir em situações como essa. Pegou uma chave de fenda esquecida na janela, pelas duas que tentavam fugir, e fincou com força na coxa direita da mulher, fazendo-a cair no chão no mesmo instante. Milena levantou e, mordendo os lábios para amenizar o que sentia, retirou a lamina de sua carne, encaixando-a dentro do coturno que lhe vinha até o joelho. O vermelho do casaco se fundia ao vermelho de seu sangue, mas já tinha lidado com dores piores há tantos anos, que estava se tornando imune a elas. Algemou a cunhada e a deixou ali, caída no chão. Pegou a madrasta pelos cabelos e arrastou até a estante marfim, abriu a algema e prendeu junto a uma parte sólida da madeira. Alcançou uma das portinholas de vidro e pegou um pequeno aparelho de som.

- Você não gosta de ouvir musica? Hm? Pois então ouça.

Ligou o eletrônico em um metal extremamente pesado, e em um volume tão alto, que dava para se ouvir do segundo andar. Colocou os fones no ouvido da mulher, que gritou ao sentir aquelas pontadas agudas lhe perfurarem os tímpanos. A garota, ainda insatisfeita, arrancou o lenço do pulso e amarrou a cabeça de Simone junto à estante, apertado o suficiente para que não pudesse escapar, mas frouxo o suficiente para que pudesse respirar, ainda que com dificuldade.

- É a sua vez, cunhadinha.

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